O consumo do leite de vaca e seus derivados desempenha importante papel na mesa dos brasileiros. Ele é considerado nutritivo e um dos poucos alimentos acessíveis para a maioria da população. A maior parte da produção de leite no Brasil acontece no estado de Minas Gerais, que é responsável por mais de 40% da produção nacional. A indústria do leite no Brasil é enorme, o crescimento da produção quadruplicou desde a década de 70, e a produção anual chega a mais de 30 bilhões de litros.
O incentivo ao consumo do leite em diversas propagandas está associado a uma vida mais saudável, com a prevenção de doenças crônicas, como a osteoporose, e como um alimento essencial para as crianças. No entanto, muitos estudos científicos não corroboram essa afirmação. Alguns não relacionam a ingestão de leite e seus derivados com equilíbrio de cálcio no organismo. Além disso, ao contrário do que se pensa, outros estudos mostram que países que consumem pouco leite possuem menor incidência de osteoporose e fraturas ósseas.
Tudo começou em 2011 quando o departamento de nutrição da universidade de Harvard nos EUA limitou o consumo de leite e seus derivados na sua nova pirâmide alimentar. A notícia foi como uma “bomba“ no campo da nutrição. Uma das causas dessa limitação ao leite seria devido a existência de alguns estudos que correlacionam o consumo do leite com câncer de mama e de próstata. No entanto, essa associação não parece estar tão clara na literatura, existindo alguns estudos positivos e outros negativos. Mesmo assim, os pesquisadores de Harvard (W. Willet e D. Ludwig) optaram por limitar o consumo do leite e seus derivados.
O leite é um alimento rico em cálcio, mas a afirmativa de que ele previne osteoporose é extremamente controversa. O estudo de Hegsted et al (2001) publicado no AJCM (fator de impacto: 6.8) mostra que produtos lácteos não fazem parte da dieta da China e do Japão, e esses países possuem duas das menores taxas de osteoporose do mundo. Outro estudo de Feskanich et al (2003) publicado no AJPH (fator de impacto: 4.5) mostra que o consumo do leite parece não estar associado com prevenção de fraturas ósseas, e mostra que os maiores consumidores de leite no mundo (EUA, Canadá e Austrália) possuem, também, a maior incidência de osteoporose. O mais curioso está no fato de que isoladamente o cálcio isoladamente presente no leite não seria um determinante na prevenção da osteoporose, como mostra o estudo de Michaëlsson K et al (2014) publicado no BMJ (fator de impacto: 17.4).
O leite de vaca é, sim, fonte de proteínas, gordura saturada e cálcio, nutrientes importantes, principalmente para as crianças. No entanto, a afirmação de que o leite é essencial para o crescimento ósseo nas crianças é controversa. O estudo de Lanou et al. (2005) publicado no Pediatrics (fator de impacto: 5.4) avaliou 58 estudos e mostrou que não há relação entre consumo de leite, níveis de cálcio e a saúde óssea de crianças. Apesar disso, outros estudos, como o de Greer ER et al (2006) publicado na mesma revista, mostram que o consumo de alimentos ricos em cálcio são importantes para a formação óssea em crianças.
Outra grande preocupação são as possíveis alterações hormonais em crianças e adolescentes, que poderiam estar associadas com o consumo exagerado do leite e seus derivados. No entanto, o estudo de Carwile J et al (2015) publicado no AJCN mostra que parece não haver associação entre o consumo do leite e menarca precoce em adolescentes que iniciam o consumo do leite após os 9 anos de idade.
Outra questão importante é o uso do hormônio do crescimento bovino (rBGH) nas criações. Alguns estudos, como o de Collier R et al (2014) publicado no JAS (fator de impacto: 0.1) mostram que existe o uso de hormônios do crescimento bovino (BrGH) nas criações, no entanto, não existe na literatura relação com doenças ou alterações em humanos. O que permanece ainda um fato curioso é o possível aumento da presença de acne em crianças e adolescentes como mostram os 3 estudos de Adebamowo CA et al (2005, 2006 e 2008) publicados no JAAD (fator de impacto: 4.4)
Nos último anos, vemos um aumento nos supermercados dos produtos sem lactose (lacfree). A opção faz-se apropriada para alguns indivíduos, como mostram os estudos que sugerem o aparecimento da diminuição da enzima lactase dos 4 aos 9 anos de idade humano. Os indivíduos mais intolerantes à lactose são os asiáticos (95%), os nativos americanos (90%) e os afroamericanos (75%).
Uma verdade irrevogável é que a produção leiteira gera um enorme ônus para o meio-ambiente. Além disso, defensores dos animais alegam que as vacas se tornaram verdadeiras “máquinas” de fabricar leite, com um alto nível de sofrimento físico, psicológico, vivem confinadas e alimentando-se de grandes quantidades de grãos. Por isso, muitas comunidades, como a dos veganos, filosoficamente são contra o consumo do leite.
Apesar de tudo, o leite e seus derivados ainda são um alimento fundamental para a população e largamente utilizados em todo o mundo. Seus benefícios são conhecidos, mas as suas consequências para a saúde ainda são uma dúvida. A sugestão de Harvard de consumir leite e seus derivados com moderação parece ser a melhor opção, mas novos e maiores estudos serão fundamentais para avaliar o real impacto do leite na saúde do homem.
Lembre-se que o importante é ter uma alimentação rica em nutrientes e equilibrada. Para cuidar da sua saúde consulte sempre seu médico e o seu nutricionista.
Referências bibliográficas:
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23 - Willet W & Ludwig D. Harvard School of Public Health – The Nutrition Source. (www.hsph.harvard.edu/nutritionsource)
Fonte: RENKE,GUILHERME, EU ATLETA. Médico atuante na área da Cardiologia e Medicina Desportiva. Formado pela Universidade Estácio de Sá, com pós-graduação em Cardiologia pelo Instituto Nacional de Cardiologia INCL RJ, pós-graduando em Nutriendocrinologia Funcional pela Faculdade Ingá e Endocrinologia pela IPEMED. Fellow e Membro da American Academy of Anti-Aging Medicine, Membro do American College of Sports Medicine, Membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Membro do Departamento de Ergometria e Reabilitação da SBC, e da World Society of Anti-Aging Medicine.
DIVULGAÇÃO: LUCIANO SOUSA
FORMACAO: PREPARADOR FÍSICO/FISIOLOGISTA, UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO/RJ
ANÁLISTA DE DESEMPEDESEMPENHO NO FUTEBOL PROFISSIONAL, CBF ACADEMY 2019
ESPECIALISTA EM RECUPERAÇÃO FÍSICA E CIRURGIAS DE JOELHOS
EMAIL:lucianofisiol@gmail.com